De acordo com as últimas informações divulgadas pelo Fórum de Segurança Pública Brasileiro, em 2018 foram registrados 66.041 casos de violência sexual, sendo 81,8% dos casos contra mulheres. Essa quantidade de casos equivale à 180 estupros por dia, dos quais 53,8% envolviam crianças de até 13 anos de idade. Esses números são um retrato desagradável da vida após Gênesis 3.
Deus criou o sexo. Foi Ele quem fez dois seres diferentes e complementares. Deus planejou os corpos do homem e da mulher e também cada uma de suas funções. Adão e Eva foram criados por Deus conforme Sua imagem e semelhança. Ou seja, o casal tinha a missão de representar Deus em Sua criação. Através do casamento, os dois se tornaram uma só carne e formaram a melhor representação que temos da trindade: um só Deus, em três pessoas distintas e no caso do casal, duas pessoas distintas que formam a unidade do casamento.
O casamento deveria apontar para a perfeita sincronia da liderança do Deus Pai e da submissão de Jesus Cristo encarnado, quando os papéis de marido e esposa são obedecidos. Também, conforme o apóstolo Paulo nos ensina em Efésios 5.32, a união de marido e esposa deveriam apontar para o relacionamento de Cristo e sua igreja. Seres iguais em valor, mas com diferentes funções. Essa linda imagem do casamento, selado pelo relacionamento sexual existe para apontar para o Deus invisível. Adão e Eva foram criados para serem os representantes visíveis do Deus invisível e o sexo criado para apontar para a união mais íntima que deveria haver entre Cristo e sua igreja.
Existe algo que é mais intenso nas vítimas de abuso sexual do que em vítimas de outros tipos de violência. Creio que isso tem relação com a quebra da função à qual Deus projetou o sexo. A violência sexual abala a pessoa e, em muitos casos, mina a possibilidade da formação de um casal que representaria Deus.
Adão e Eva conheceram a perfeição em relação ao que deveria ser o sexo no casamento. Mas conforme o relato de Gênesis 3, isso não durou muito tempo. Eles viviam nus e não sentiam vergonha, ou seja, tinham total liberdade e confiança. Mas quando desobedeceram a Deus, imediatamente, passaram a conviver com medo, insegurança, hostilidade, egoísmo, transferência de culpa e vergonha, conforme vemos no relato bíblico:
"Então os olhos de ambos se abriram; e, percebendo que estavam nus, costuraram folhas de figueira e fizeram cintas para si [vergonha]. Ao ouvirem a voz do Senhor Deus, que andava no jardim quando soprava o vento suave da tarde, o homem e a sua mulher se esconderam da presença do Senhor Deus [medo, insegurança], entre as árvores do jardim. E o Senhor Deus chamou o homem e lhe perguntou: — Onde você está?
Ele respondeu: — Ouvi a tua voz no jardim, e, porque estava nu, tive medo, e me escondi.
Deus perguntou: — Quem lhe disse que você estava nu? Você comeu da árvore da qual ordenei que não comesse?
Então o homem disse: — A mulher que me deste para estar comigo, ela me deu da árvore, e eu comi. [hostilidade nos relacionamentos]
Então o Senhor Deus disse à mulher: — Que é isso que você fez?
A mulher respondeu: — A serpente me enganou, e eu comi. [transferência de culpa]" Gn 3.7-13
O relato de Gênesis 3 foi apenas o início das distorções do pecado em todas as áreas da vida. A Bíblia nos mostra muitos exemplos das manchas do pecado na área sexual e diferentes formas de abuso cometidos ao longo da história da humanidade. Ainda em Gênesis, temos o relato do incesto das filhas de Ló (Gn 19.30-36); o estupro de Diná (Gn 34.1,2) e o assédio de José pela mulher de Potifar (Gn 39.7-20). No livro de Juízes, temos relatos assustadores como o da concubina do levita, abusada por vários homens ao longo de uma noite e esquartejada em seguida (Jz 19). Mais a frente, em 2 Samuel 11, o relato do adultério do rei Davi com Bate-Seba e, em seguida (2 Sm 13), o estupro da filha de Davi, Tamar, por seu próprio irmão, Amnom.
O relato do estupro de Tamar nos mostra sentimentos comuns às vítimas de abuso sexual: vergonha, culpa, humilhação, tristeza. Amnom havia agido com astúcia e maldade, o que também é marca registrada dos abusadores sexuais. Ele enganou sua irmã para atraí-la a uma situação vulnerável e abusar sexualmente dela. Em seguida, desprezou-a como se ela fosse uma mercadoria sem valor.
Deus nos revelou todos esses acontecimentos para que soubéssemos que a maldade, o sofrimento e os abusos sexuais são parte da triste realidade de vivermos em um mundo caído. Deus nos mostra que entende o sofrimento da violência sexual porque isso não é novo na história da humanidade. Cristo também experimentou o sofrimento da humilhação de seu corpo, por isso ele entende perfeitamente a dor do abuso sexual. Conforme o profeta Isaías relatou:
"Era desprezado e o mais rejeitado entre os homens, homem de dores e que sabe o que é padecer. E, como um de quem os homens escondem o rosto, era desprezado, e dele não fizemos caso. Certamente ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si; e nós o considerávamos como aflito, ferido de Deus e oprimido. Mas ele foi traspassado por causa das nossas transgressões e esmagado por causa das nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas feridas fomos sarados. Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo seu próprio caminho, mas o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós. Ele foi oprimido e humilhado, mas não abriu a boca. Como cordeiro foi levado ao matadouro e, como ovelha muda diante dos seus tosquiadores, ele não abriu a boca. Pela opressão e pelo juízo, ele foi levado, e de sua linhagem, quem se preocupou com ela? Porque ele foi cortado da terra dos viventes; foi ferido por causa da transgressão do meu povo. Designaram-lhe a sepultura com os ímpios, mas com o rico esteve na sua morte, embora não tivesse feito injustiça, e nenhum engano fosse encontrado em sua boca. Todavia, ao Senhor agradou esmagá-lo, fazendo-o sofrer. Quando ele der a sua alma como oferta pelo pecado, verá a sua posteridade e prolongará os seus dias; e a vontade do Senhor prosperará nas suas mãos. Ele verá o fruto do trabalho de sua alma e ficará satisfeito. O meu Servo, o Justo, com o seu conhecimento justificará a muitos, porque as iniquidades deles levará sobre si." Is 53.3-11
O sofrimento mais injusto que aconteceu nessa Terra foi a morte de Cristo. Mas Deus (minhas duas palavras preferidas nas Escrituras!), transformou em bem esse mal vivido por Jesus. A morte de Jesus Cristo nos da a única possibilidade de reconciliação com Deus. Através dessa reconciliação nos tornamos filhos de Deus e passamos a gozar de inúmeras bênçãos. Não somos mais definidos pelas tragédias do passado, mas por nossa nova identidade em Cristo. Por isso, quero finalizar pontuando 10 implicações da nova identidade em Cristo:
1º. O espírito de Cristo passa a viver em nós.
Paulo escreveu aos gálatas: “Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim” (Gl 2.20). Ter Cristo em nós nos capacita a uma nova direção de vida.
2º. Nossos pecados foram todos perdoados.
Romanos 8.1 diz que não existe mais condenação para quem está em Cristo. Independentemente de quais foram os nossos pecados, Deus perdoou e vai continuar perdoando à medida que confessamos e nos arrependemos.
3º. Nunca perderemos a salvação que Deus nos deu.
Jesus disse: “As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão” (Jo 10.27,28). Ninguém pode nos tirar das mãos de Deus.
4º. Passamos a ter um objetivo de vida claro.
Deus nos criou para a sua glória (Is 43.7). Nosso objetivo neste mundo é representarmos o Deus invisível através das boas obras (Ef 2.10). As experiências de sofrimento passado são de grande valor para que possamos ajudar outras pessoas.
5º. Todas as coisas irão cooperar para nosso crescimento.
Romanos 8.28,29 ensina que tudo que acontece em nossas vidas tem o propósito de contribuir para nosso crescimento em semelhança a Cristo. Deus usa até os problemas e acontecimentos desagradáveis para o nosso bem, mas o bem para Deus é o nosso crescimento em semelhança a Jesus Cristo.
6º. Nossa verdadeira vida ainda vai começar.
Deus nos promete uma vida sem sofrimento junto com Ele no futuro (Ap 21.1-5). Esta terra não é nossa pátria (Fp 3.20), por isso nos incomodamos com toda maldade que ainda existe. Mas um dia tudo isso vai passar e essa é nossa esperança verdadeira. Podemos descansar porque um dia todo pecado e toda dor vão acabar.
7º. Temos o melhor e mais perfeito pai.
Deus nos adota em sua família por meio de Cristo (Gl 4.4,5) e passamos a ser filhos do mais perfeito Pai (Jo 1.12).
8º. Temos o melhor e mais perfeito advogado.
Você sabe o que Cristo está fazendo neste momento? Conforme Paulo escreveu aos Romanos, ele está advogando a nosso favor ao lado do Pai: "Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? Pois é Cristo quem morreu, ou antes, quem ressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, e também intercede por nós (Rm 8.33,34)." Jesus advoga em nosso favor, mostrando que não temos mais dívida com Deus por estarmos firmados nele (1 Jo 2.1).
9º. Fomos libertos da escravidão ao pecado.
Quando estávamos sem Cristo o pecado era nosso estilo de vida e não podíamos fazer nada para mudar. Deus nos liberta do poder do pecado (Rm 8.2). Em Cristo somos livres da escravidão. O pecado não tem mais domínio sobre nós.
10º. Nada vai nos separar do amor de Deus.
Não existe nenhuma situação que o amor de Deus não possa nos encontrar. Nada na criação tem o poder de nos separar do amor de Deus. Conforme Paulo escreveu aos Romanos:
"Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada? Como está escrito: por amor de ti somos entregues à morte todo o dia; fomos reputados como ovelhas para o matadouro. Mas em todas estas coisas somos mais do que vencedores, por aquele que nos amou. Porque estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor (Rm 8.35-39)."
Essas são apenas algumas verdades sobre os que estão em Cristo. Tudo isso faz parte do presente da salvação e passa a definir quem você é, independente do que fizeram com você. Minha oração é que os fatos escritos aqui possam trazer conforto às vítimas de qualquer perversidade desse mundo.
Larissa Ferraro